Gabriel Pazini | @superfcoficial
30/06/19 - 08h00
Um início ruim de Copa América em casa, muitas críticas e um time que foi crescendo durante a competição até conquistar o título. Muitos sonham que esta seja a história do Brasil em 2019. Por enquanto, é a história já escrita em 1989, e teve Sebastião Lazaroni como um dos protagonistas.
Se a seleção de Tite não empolga, encanta e tem decepcionado até aqui, com exceção da goleada sobre o Peru, o time de Lazaroni, 30 anos atrás, na última Copa América sediada pelo Brasil, também começou muito mal e já era criticado antes mesmo do início do torneio.
Após derrotas para Suécia, Dinamarca e Suíça e um empate sem gols com o Milan na preparação para a Copa América, anotando apenas um tento nos quatro jogos, o Brasil seguiu para Salvador, onde jogaria os três duelos da primeira fase, no retorno ao país. Lazaroni, que tinha assumido a pouco tempo, cortou alguns atletas, entre eles, o atacante Charles Baiano, ídolo do Bahia. A decisão fez explodir uma crise com a torcida baiana e criou um clima ainda pior na seleção.
Como acontece com Tite atualmente, os torcedores e a imprensa cobraram demais Lazaroni e seus comandados, e o Brasil seguiu não apresentando bom futebol. Sem apoio da torcida, empatou com Peru e Colômbia. No primeiro grande evento esportivo que o país sediava após a Ditadura Militar, parecia que o Brasil veria o jejum de 40 anos sem conquistar a Copa América aumentar. A seleção, que também não ganhava a Copa do Mundo desde 1970, vivia crise e era muito cobrada.
No entanto, uma modificação feita por Lazaroni mudou o curso da história. Completamente transformado com a dupla Romário e Bebeto formando um jovem e técnico ataque, o Brasil passou a ser mais agressivo e foi outro especialmente na fase final. Anos depois, essa mudança que começou com o criticado treinador foi um dos pilares para a seleção encerrar o jejum em Mundiais e conquistar o tetra nos Estados Unidos.
Voltando para 1989, na fase decisiva, Bebeto, de voleio, anotou um gol que entrou para a história contra a Argentina de Maradona, que se vingaria sendo algoz do Brasil na Copa do Mundo do ano seguinte. Na decisão, um reencontro no Maracanã com o Uruguai, em um 16 de julho. Ao contrário de 1950, o final foi feliz para os brasileiros. O fantasma do Maracanazzo foi afastado com o gol de Romário e o fim do jejum com um merecido título.
Lazaroni é um personagem controverso, muitas vezes criticado por suas decisões e seus times não apresentarem um futebol vistoso, ofensivo e empolgante na maioria das vezes, mas também defendido por alguns pelo título com a seleção e ter sido eliminado na Copa de 1990 fazendo um jogo duro contra uma Argentina superior, tendo perdido em um lance de pura genialidade de Maradona.
De qualquer forma, Lazaroni, inegavelmente, entende muito de Copa América, especialmente de uma disputada no Brasil. Em entrevista exclusiva ao SuperFC, o treinador relembrou aquela conquista, contou histórias, fez um paralelo com a edição atual da competição e também deu opiniões sobre o time de Tite. Confira:
O que você espera do confronto com a Argentina na semifinal?
"O Brasil teve um bom rendimento a partir da recuperação do Arthur e da entrada do Everton Cebolinha. O time cresceu e ganhou confiança. A Argentina não vem sendo brilhante, mas possui bons valores e em especial um craque que é o Messi, que pode criar dificuldades para qualquer equipe e adversário do mundo. A Argentina não está pronta, não vem se encontrando, não tem um conjunto que leve a temer, mas não é um jogo fácil. Vai ser um grande clássico do futebol sul-americano e acredito na vitória da seleção brasileira. Temos time para sermos campeões."
Você é um especialista na Copa América e sabe da importância da competição. No entanto, desta vez não existe empolgação por parte da torcida com o torneio. Por que você acha que isso acontece?
"Durante muito tempo, em função do calendário do futebol brasileiro, o Brasil não deu muita atenção para a Copa América, até porque muitas vezes nossos campeonatos eram disputados normalmente durante a competição e não nos importávamos muito com o torneio. Mas, a partir do momento em que a CBF entendeu que é o torneio máximo do futebol sul-americano, passou a mudar o calendário e investir mais na competição, isso mudou. Agora, porém, depende de muitos fatores. Nós fomos eliminados cedo das outras vezes e teve a última Copa do Mundo também, mas o Brasil desta vez conseguiu ir crescendo dentro da competição, encontrando um time e superando as lesões e os problemas. Acho que vamos crescer mais. Mas eu também acredito que o Coutinho viveu seu melhor momento como atacante de lado junto com o Neymar. Eu colocaria o Coutinho nessa posição. Acho que o Brasil seria mais inventivo e lúcido no ataque, com maior poder de fogo, se o Coutinho jogasse nessa posição."
O Coutinho realmente não tem rendido bem como armador da seleção. No entanto, existe uma carência no futebol brasileiro nesta posição e na convocação do Tite não é diferente. Como você armaria o time mudando o Coutinho de posição?
"O grande problema é que, depois da Copa do Mundo, se perdeu uma cabeça pensante, um organizador que foi o Renato Augusto, e o próprio Neymar, que pode abrir a defesa no um contra um, mas na Copa não estava na melhor forma e agora se lesionou. Acho que foi feita uma adaptação ao Coutinho de meia, que ele não joga faz tempo. Faz muito tempo que o Coutinho joga mais avançado pelo lado do campo, no Liverpool e no Barcelona. Em jogos de grande ritmo e intensidade, ele pode ajudar na recomposição e retomada de bola trabalhando no setor de meio-campo, mas isso tira dele a lucidez de ser mais decisivo próximo da área, finalizando com perigo de média e longa distância. Talvez o Tite tenha feito isso porque não tenha visto um jogador fazendo essa função melhor que o Coutinho, mas acho que o Coutinho mais ofensivo dá muito mais ao time e pode ser mais importante para a seleção. Acho que o time pode melhorar com o Coutinho pelo lado do campo. Mas é difícil e chato opinar uma mudança tática porque o Tite sabe o que faz e está com o grupo todos os dias, vendo o que é melhor."
Voltando no tempo, em 1989, o Brasil não ganhava a Copa América fazia 40 anos e sediava seu primeiro grande evento esportivo após a Ditadura Militar. Por conta disso tudo e da enorme pressão, você chegou a temer assumir a seleção em um momento tão delicado e perto da Copa do Mundo? E qual o tamanho do importância da conquista de 89?
"Foi um ano muito rápido, intenso e com muitos problemas. De março de 89 a junho de 90 nós jogamos Copa América, Eliminatórias e Copa do Mundo, tendo praticamente apenas treinos e jogos oficiais. É um período muito curto para isso tudo. E ainda não tivemos a liberação de muitos jogadores, inclusive para a Copa América, fora as lesões. Mas vencemos a Copa América e fomos para a Copa do Mundo, e fomos derrotados pela então atual campeã do mundo (Argentina), que tinha o melhor jogador do mundo na época (Maradona). A eliminação me faz pagar um preço muito alto, mas é a vida. O trabalho, para mim, pode ser avaliado como bom ou muito bom. Eu estou marcado na história como campeão com a seleção brasileira. Poucos podem dizer isso."
Muita gente tem opinião contrária e acha que seu trabalho não foi bom. Você acha que as críticas são injustas?
"O treinador vive de resultados, vitórias e conquistas, mas muitas vezes encontra um ambiente propício, qualidade técnica excepcional dos jogadores, enfim, mas, às vezes, as lesões e outras questões atrapalham muito. Se você somar quantos Mundiais ocorreram, quantos treinadores passaram pela seleção e ganharam Copa do Mundo e Copa América, são poucos incluídos entre os vencedores, e eu estou entre eles. Ninguém pode modificar isso. Muitas vezes, as pessoas só entendem uma modificação tática, de pensamento e ideia, que algo melhorou o time, anos depois. Às vezes demora. Mas eu tenho o maior orgulho e me senti muito feliz em passar por tudo que passei. Além disso, fiz algumas mudanças que deram frutos anos depois, como a dupla que liderou o Brasil no tetra em 94 (Romário e Bebeto no ataque)."
Você falou da importância da Copa América para você. O cenário é totalmente diferente agora, mas qual o tamanho da importância de uma eventual conquista para o Tite?
"O que marca uma geração são títulos e conquistas oficiais. É Copa América e Copa do Mundo. Então, eu acho que para essa geração como um todo, é de fundamental importância ganhar a Copa América. É a condição para muitos jovens começarem bem a caminhada na seleção brasileira e evoluir, também tirar um peso. Foi assim conosco em 89. Nós tínhamos muitos jovens: Taffarel, Mazinho, Bebeto, Romário, Aldair, entre outros, que com a conquista ganharam espaço, nome e colocaram o nosso nome na história do futebol brasileiro. Fazendo esse paralelo, mostramos a importância da conquista. E eu sou muito otimista. Desejo força ao Brasil. Acho que temos time para sermos campeões."
Você citou alguns grandes nomes daquela conquista, que depois também conquistaram o tetra em 94. Qual mais te marcou e qual também te deu mais trabalho? Aquela seleção tinha alguns jogadores que gostavam de fugir da concentração (risos).
"(Risos). Tem jogador que dá trabalho, mas cabe a você mostrar com clareza aquilo que você pretende, mostrar sua visão, interpretação e o momento. E, muitas vezes, são esses caras que dão trabalho que tomam decisões, mostram personalidade e vencem os jogos. O Brasil sempre foi decisivo e teve muitos jogadores decisivos, inventivos e goleadores, então todos são importantes na carreira de um treinador, principalmente aqueles que decidem as partidas."
Se eu estiver errado me fale, mas você definiu o Romário na sua última resposta (risos).
"Sim (risos). Mas é injusto eu falar só do Romário como jogador que mais me marcou e foi importante. Romário, Dunga, Bebeto, Aldair, Taffarel... Todos eles foram muito importantes e marcaram seus nomes na história. Todos possuem méritos pela conquista, tiveram brilhantismo e cresceram durante a competição."
Em 1989 vocês tiveram um início difícil empatando com Peru e Colômbia, mas arrancaram na fase final vencendo Argentina, Paraguai e Uruguai e conquistando o título. Dá pra fazer um paralelo entre aquela campanha com a atual? O Brasil também começou muito mal, depois goleou o Peru e agora está na semifinal, ainda que não tenha feito uma grande partida contra o Paraguai.
"Os momentos são diferentes. O Tite tem uma base e nós ainda estávamos montando um time em 1989. O Tite acreditou naquele time da Copa do Mundo e manteve sua base fazendo algumas mudanças, enquanto nós estavamos montando uma equipe em um período curto. Foi muito difícil jogar em Salvador, porque fomos muito criticados no começo e não tivemos o apoio da torcida, mas depois fomos trabalhar com dois atacantes (Romário e Bebeto), e a resposta dada foi excepcional. Se formou uma equipe vitoriosa. Depois, todo mundo percebeu o acerto com o título em 89 e a coroação em 94, com o Brasil conquistando a Copa do Mundo."
O Tite tem sido cada vez mais criticado no comando do Brasil, mas possui uma boa relação com a imprensa, ao contrário do que acontecia com você, que tinha uma relação de muitos conflitos com os jornalistas. Por que você acha que isso acontece?
"O trabalho de um treinador é muito difícil e, especialmente em uma Copa do Mundo, te leva a uma posição quase que de isolamento. É preciso entender isso e trabalhar de forma constante, mantendo a conversa em equipe e tudo em equipe. Hoje é complicado também, porque você vê um questionamento até na forma de falar, além da questão tática, e é curioso porque quando o Tite entrou, a seleção fluiu magicamente e até a forma dele de falar era elogiada pela imprensa, que agora critica a forma dele de falar. A vida de um treinador é assim (risos), não é fácil. Comigo, a imprensa reclamava da minha forma de falar também e criticava as minhas escolhas nas convocações e não entendiam minhas decisões. Mas são momentos e épocas diferentes. Na minha época tinha muito bairrismo, jogos de interesse... Até a pressão que tivemos inicialmente foi complicada. No começo da Copa América jogamos para 13 mil pessoas em Salvador sendo muito criticados. No final, eram 130 mil pessoas no Maracanã e vencemos o fantasma do Maracanazzo batendo o Uruguai. Eu sempre procurei atender a imprensa da melhor forma possível, mas muitas vezes é complicado. O mau profissional leva más intenções para outros lados, mas isso não fica. Essas pessoas são superadas por aqueles que têm talento. Me sinto e me situo como profissional para todos. Se hoje eu te dou essa entrevista, é porque houve uma conquista e houve uma vitória. Eu sou campeão da Copa América de 1989."