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A geração do quarto está pedindo socorro
18/10/2022

“A doença mental da geração do quarto é resultado de um processo profundo de violência – matriz dessas crianças e adolescentes”

Fotos: Andréa Avelar Duarte

O educador Hugo Monteiro Ferreira, pós-doutor em Estudos da Criança pela Universidade do Minho, Portugal, e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), comemora a terceira impressão de A Geração do Quarto: quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar (Record, 154p.). Lançado em abril e um dos mais vendidos de não ficção entre os autores nacionais da editora, o livro trata de assuntos como comportamentos autodestrutivos, bullying, cyberbullying e psicopatologias que afligem crianças e adolescentes e se torna uma leitura, no mínimo, necessária para pais e professores que precisam adequar os currículos escolares às competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) relacionadas à educação socioemocional. Professor e coordenador do Núcleo do Cuidado Humano da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o autor afirma nesta entrevista que há algo muito errado nas famílias e no modelo de educação escolar no país. “Se um menino de 14 anos quer se matar, há algo nesse universo no qual ele está inserido que precisa ser repensado, precisa ser revisto”, aponta Ferreira, que foi responsável pelo treinamento dos atendentes do serviço Pode falar, canal de ajuda em saúde mental para jovens da Unicef no Brasil

Extra Classe – Em linhas gerais, quem são aqueles que compõem o que você denomina ‘a geração do quarto’?
Hugo Monteiro Ferreira – Gostaria de dizer que a geração do quarto, assim como apresento no meu livro, são meninas e meninos, entre 11 e 18 anos de idade, que atravessam e são atravessadas e atravessados por sérios problemas de saúde mental. Esses meninos e essas meninas, quando estão em casa, passam mais de seis horas dentro de seus quartos, se envolveram com bullying e/ou ciberbullying, apresentam comportamento autodestrutivo – autolesão sem intenção suicida, ideação suicida, tentativa de suicídio mais de uma vez –, apresentam quadro de sintomatologia psicopatológica – transtornos obsessivos compulsivos, transtornos alimentares, transtornos de ansiedade geral, síndrome do pânico, distúrbio do sono –, têm muita dificuldade de inter-relação face a face com os membros da família e utilizam excessivamente as redes sociais digitais. A geração do quarto não se restringe necessariamente a marcadores etários, ou seja, é possível dizer que adultos/as também se encontram no quarto, e é possível dizer que o quarto, assim como apresento no livro, ainda que materialize um cômodo da casa, é mesmo uma grande metáfora do isolamento tomado pelo sofrimento psíquico.

EC – Isso remete ao fenômeno hikikomori, identificado no Japão, que significa ficar ou ser deixado de lado, uma tendência que era associada a culturas mais introspectivas e exigentes com os jovens. Você diria que a propensão do jovem ao isolamento se globalizou?
Ferreira – Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que a saúde mental de crianças e adolescentes é tema de urgência no mundo, visto que tem sido comum, no Ocidente, quadro expressivo de adoecimento mental. Embora eu tenha falado em Ocidente e você me traga um país do Oriente, digamos assim, depois da globalização, sobretudo a comunicacional, é muito difícil estabelecer linhas deterministas nos processos de desenvolvimento.

EC – Por quê?
Ferreira – As telas, desde a televisão até o cinema, desde o computador até o celular, trazem, a todos e todas, a mesma matéria de conteúdo. O que é visto no Brasil, na Argentina, o que é acessado no Chile, no Peru, é, de mesmo modo, visto e acessado em Tóquio e Seul. Já não há mais tantas divisões. A transnacionalidade indica que as coisas do Norte também estão no Sul e as coisas da Ásia também estão na África. Claro que há especificidades, mas o isolamento social, provocado pela violência, não é diferente na América Latina e na Ásia. Lá e cá, as crianças e os e as adolescentes padecem de uma espécie de pressão social, intrafamiliar, escolar, num âmbito individual e coletivo, que tem provocado sofrimento psíquico e dor psíquica, receio de fracasso, medo de frustração, uma busca pelo prazer imediato e uma tentativa de não aprofundar relações afetivas.

EC – Em síntese?
Ferreira – A geração do quarto na América Latina é produto de um profundo modelo social e econômico injusto, desumano, atrelado a modelos de convivência social baseado menos na cooperação e mais na competição, menos no respeito à alteridade e mais na tentativa de não compreender diferenças identitárias. No Japão, considerando elementos contextuais, não é diferente: as crianças e os/as adolescentes precisam aprender a competir e têm excessivo medo de fracassar.


 

 

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