Expectativa. Michel Temer aposta em um pedido de vista e na exclusão dos depoimentos de delatores da Lava Jato para se manter no cargo
BRASÍLIA. O procurador da República Rodrigo Tenório, 38, afirma que o caso prestes a ser julgado nesta terça-feira (6) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não tem precedentes, uma vez que “nunca houve uma ação contra uma chapa presidencial com a força que essa tem”.
Membro do grupo que auxilia o procurador geral da República, Rodrigo Janot, na elaboração de estratégias na área eleitoral, Tenório diz ser impossível não considerar graves as condutas atribuídas à campanha da chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) em 2014.
De acordo com ele, como a legislação não define as condutas que podem ser consideradas abuso de poder econômico – principal acusação que pode resultar na cassação do mandato de Temer –, sempre há espaço para interpretação. “É evidente que alguns atos estão numa zona cinzenta, mas o caso da chapa Dilma-Temer é bastante claro”, afirma Tenório, em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”.
Contudo, ele admite que, “dificilmente, haverá unanimidade entre os sete julgadores” do TSE. “O caso deve ser decidido por maioria apertada pela cassação da chapa, mas sem imposição de elegibilidade a Temer. Ainda há a possibilidade de algum ministro pedir vista”, afirma.
Já para o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira, 46, o corpo inicial da ação de cassação proposta pelo PSDB em janeiro de 2015 é “vazio” e só foi ganhando “corpo” ao longo do processo, o que, na visão dele, não poderia acontecer.
Em entrevista à “Folha”, o advogado afirma que, ao fixar um prazo exíguo para essas ações, a Constituição brasileira, a exemplo das de outros países, fez uma opção clara pela estabilidade dos mandatos.
Casagrande elaborou dois pareceres a pedido dos advogados de Temer para o julgamento. No primeiro deles, de abril de 2016, já defendia a tese que, na última semana, passou a concentrar todas as esperanças do governo. De acordo com Pereira, sem os depoimentos de ex-executivos da Odebrecht e dos marqueteiros Mônica Moura e João Santana – delatores da Lava Jato –, dificilmente a cassação da chapa Dilma-Temer seria vista como uma possibilidade.
Adiamento
Normal. Para Luiz Fernando Pereira, um pedido de vista no TSE não seria surpresa: “Pede-se vista no TSE desde 1932. Por que não no mais complexo e extenso processo da história do tribunal?”.
MINIENTREVISTA
Luiz F. Pereira, doutor em processo civil pela UFPR
O senhor argumenta que o TSE não poderia aceitar o acréscimo de fatos novos ao processo original. Pode explicar melhor?
A Constituição não admite esses fatos novos. A estabilidade da democracia depende da estabilidade dos mandatos. Por isso há prazos exíguos para ações de cassação. Mas o artigo da lei que regula o tema diz que o tribunal poderá atentar para fatos não indicados, desde que preservem o interesse público de lisura eleitoral.
Não é o caso?
O artigo 23 dá ao juiz autonomia no sentido de incluir provas novas, mas em torno dos fatos que compõem o processo. Não posso embutir fatos novos numa ação em curso. A ação contra Dilma sempre falou em financiamento espúrio de campanha, mas não indicou os fatos. Eu não posso começar uma ação de narrativa vazia e depois preenchê-la com fatos.
Isso não contraria o interesse público, que deveria ser o de esclarecer as circunstâncias da eleição de 2014?
A respeitada Comissão de Veneza diz que o interesse público está em vedar questionamentos tardios dos mandatos. A democracia convive muito mal com a instabilidade dos mandatos.
MINIENTREVISTA
Rodrigo Tenório, procurador da República e mestre em direito (Harvard)
Na sua opinião, existem motivos suficientes para o TSE cassar a chapa Dilma-Temer?
Existem. No processo, há provas nascidas na Lava Jato que demonstram que empresas que firmaram contratos com a Petrobras pagavam propina a agentes corruptos e a partidos políticos. Se o uso de verba oriunda da prática de crimes gravíssimos contra a administração pública e de atos de improbidade não servir para configurar o abuso, o que servirá?
A defesa questiona que a ação foi emendada várias vezes, como no caso da delação da Odebrecht...
O julgamento deve respeitar os limites dos fatos alegados pelas partes. Esse princípio não foi violado. Existia na petição inicial a informação de que houve financiamento ilícito de campanha com propina dada a partidos. Soma-se a isso que a Odebrecht era a principal doadora da chapa. Como sustentar que houve ampliação de acusações nesse contexto?
E a estabilidade do mandato prevista na Constituição?
Como conciliar a necessidade de garantir a legitimidade da disputa com a necessidade de assegurar estabilidade do mandato? O mandato é estável desde que não haja ilícitos aptos a cassá-lo.