Brasília. Raquel Elias Ferreira Dodge, de 57 anos, toma posse nesta segund-feira (18) como a primeira mulher a chefiar a Procuradoria Geral da República (PGR). E esse não será o seu principal desafio. A nova comandante do Ministério Público Federal (MPF) terá a responsabilidade sobre investigações contra políticos com foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF), como deputados, senadores e o presidente da República.
Raquel toma posse tendo como legado a repercussão da atuação de seu antecessor e desafeto, Rodrigo Janot. O antigo chefe da PGR apresentou 34 denúncias contra políticos ao STF, sendo duas envolvendo o presidente Michel Temer (PMDB).
Indicada por Temer, Raquel já poderá atuar na segunda denúncia logo após a posse. Na quarta-feira, o STF retoma o julgamento do pedido da defesa do presidente para que a denúncia não seja enviada à Câmara dos Deputados.
Apesar de não ter direito a voto no tribunal, a nova procuradora geral pode apresentar argumentos jurídicos e apresentar recursos de forma a influenciar o julgamento do Supremo.
Segundo a coluna Painel, do jornal “Folha de S.Paulo”, em seu discurso de posse, Raquel vai criticar os vazamentos das delações e investigações em curso na procuradoria. Ela também vai condenar ações midiáticas durante as operações. A expectativa é que ela defenda “o devido processo legal” e a harmonia dos Poderes.
Outro desafio para a nova procuradora será atuar na Lava Jato. Para a opinião pública, a continuidade da operação, com a investigação de políticos corruptos é prioridade. Por isso, qualquer decisão da nova procuradora é acompanhada com muita atenção.
Segundo a revista “Época”, após tomar posse, Raquel vai publicar uma portaria para excluir da força-tarefa da Lava Jato os procuradores Rodrigo Telles e Fernando Antonio de Alencar, dois dos principais investigadores da operação.
Ambos já haviam manifestado intenção de ficar, tanto formalmente quanto em contatos informais com o grupo da nova procuradora geral – e haviam recebido a confirmação de que prosseguiriam nas investigações. Aliás, Raquel havia prometido manter a equipe da força-tarefa formada por Janot.
A nova procuradora pretende criar uma estrutura para revisar as delações feitas na operação. Segundo aliados de Raquel, a ideia é buscar lacunas nos depoimentos que possam levar a novas buscas de provas para fortalecer as investigações e evitar que as denúncias e processos sejam tão questionados pelos denunciados.
Reajuste
Pressão. Como nova presidente do Conselho Nacional do Ministério Público, Raquel terá a função de encaminhar ao Ministério do Planejamento pedido de aumento de 16,7% para os procuradores.
Quarentena pode ser exigida
Brasília. O mal-estar causado pelo procurador da República Marcelo Miller, acusado de advogar para Joesley Batista antes de deixar o cargo, vai pautar a próxima reunião do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), na primeira semana de outubro.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, vai propor a criação de uma comissão para estudar regras de delação premiada e de exoneração dos membros do MPF. Uma das propostas é a imposição de quarentena aos que saírem, para impedir o conflito de interesses, inspirada nas regras no Banco Central.
Formada por dez integrantes, o Conselho Superior é uma espécie de poder legislativo do MPF.
Na intensa troca de mensagens nas redes sociais, após o escândalo envolvendo Miller, os procuradores da República concluíram que é possível estabelecer regras de conduta interna sem a necessidade de aprovação de projeto no Congresso.
Uma medida administrativa, acreditam, poderia impor os mesmos seis meses da quarentena exigidos no BC quando a exoneração for motivada pelo projeto de exercer atividade correlata na área privada.
Secretarias
Orientação. Os planos de Raquel Dodge para a Procuradoria vão além do direito penal.
Mudança. A procuradora geral vai criar três novas secretarias na estrutura no órgão.
Legalidade. A secretaria da Função Constitucional será responsável por organizar a atuação da PGR nas ações de inconstitucionalidade perante o STF.
Direitos. A Secretaria de Direitos Humanos e Defesa Coletiva está voltada a ações de garantia dos direitos dos cidadãos.
Penal. A terceira estrutura que será criada é a Secretaria da Função Penal Originária junto ao STF, que vai coordenar a atuação da PGR nas ações criminais.
Supremo espera relação tranquila
Brasília. Depois de um desgaste na relação entre Rodrigo Janot, no fim do mandato como procurador-geral da República, e o Supremo Tribunal Federal (STF), a expectativa na Corte é de que sua substituta, Raquel Dodge, titular da PGR a partir desta segunda foque no papel institucional do Ministério Público Federal, sem descuidar dos rumos da Lava Jato.
A forma como Janot conduziu o episódio do áudio do empresário Joesley Batista, dono do Grupo J&F, e Ricardo Saud, ex-executivo da holding, causou desconforto no STF. Ministros e auxiliares avaliaram que, quando anunciou a descoberta de uma gravação que trazia indícios de omissão de fatos graves por delatores, Janot expôs negativamente o Tribunal por ter revelado, sem explicar o contexto, que havia citações a integrantes da Corte.
Se o perdão judicial concedido por Janot aos executivos da J&F já era alvo de questionamentos, após o episódio da gravação surgiram dúvidas sobre se a PGR se descuidou neste acordo de colaboração.
Ministros do Supremo ouvidos pelo jornal “O Estado de S. Paulo” elogiaram o perfil da sucessora de Janot e dizem acreditar que, pela experiência na área do direito penal, ela vai atuar de forma firme e rigorosa na Lava Jato.