No lugar de segurança, desconfiança. É assim que a estudante Ana*, 23, descreve sua relação com a Polícia Militar (PM). Em 2018, durante uma briga familiar, um militar a ameaçou. “Ele me mandou calar a boca, gritou palavrões e disse que nada aconteceria com ele e que voltaria para me ‘pegar’”, conta Ana. Ela diz que, um ano antes, policiais militares entraram na casa da avó dela e reviraram tudo, mesmo sem mandado, acreditando que o local era uma boca de fumo. Como a história de Ana, há várias. Em 2018, a Ouvidoria de Polícia do Estado recebeu por dia 11 manifestações com relação às polícias Militar e Civil, além do Corpo de Bombeiros – um total de 4.028. No ano anterior, foram 4.748 casos. No primeiro quadrimestre de 2019, o índice chegou a 1.287. Nos três períodos, 80% das manifestações são denúncias ou reclamações.
A PM foi alvo de mais da metade das queixas nos três anos. A Polícia Civil vem em segundo lugar, com mais de um terço das manifestações. Com relação ao Corpo de Bombeiros, o índice não atinge 10%.
O tratamento inadequado dado por militares aos cidadãos é o principal problema da PM, segundo levantamento da reportagem. “São em torno de 42 mil policiais. Então, o contingente é maior (se comparado ao de outras corporações). Além disso, o contato da PM com a população é direto. Esses problemas ocorrem na hora da abordagem. Há um desentendimento entre policial e cidadão”, explica o ouvidor de polícia Paulo Alckimin.
Segundo ele, todos os casos são reportados às corregedorias das corporações, já que a ouvidoria não tem poder de apuração. Depois, o relatório volta para o órgão, que decide se a questão está esgotada ou não. As penalizações vão de advertência a expulsão da corporação.
Na Polícia Civil, o problema maior diz respeito à má qualidade do serviço – ultrapassando 40% das manifestações. Segundo Alckimin, o quesito tem relação com o treinamento dos profissionais: “Tudo se inicia na academia. Tomamos algumas providências e fazemos contato com a diretora da Acadepol (Academia de Polícia)”.
O engenheiro Samuel Amâncio, 28, diz ter sido mal atendido pela Polícia Civil em maio, quando não conseguiu registrar uma ocorrência em uma delegacia após sofrer um acidente de carro: “Na porta, já disseram que só era possível fazer o boletim pela internet”. A corporação informou que o servidor não pode se negar a registrar ocorrências.
O déficit de profissionais (de 43,4%) é outro problema para a Civil. Na semana passada, o delegado geral Wagner Pinto classificou a situação como “alarmante” em audiência na Assembleia. Segundo ele, em Minas, não há delegados em ao menos 72 comarcas. A falta de pessoal é um desafio que a delegada Alessandra Bueno da Rosa, da 2ª Delegacia de Sabará, na região metropolitana, enfrenta. A equipe tem quatro pessoas, e o ideal, segundo ela, seriam nove. “Nós temos que estar motivados pelo amor à polícia”, diz.
Sobre o número baixo de queixas relativas ao Corpo de Bombeiros, Alckimin considera que tem relação com a sensação de heroísmo que o trabalho da corporação provoca nas pessoas.
Serviço.
Os cidadãos podem fazer queixas pelo www.ouvidoriageral.mg.gov.br, pelo WhatsApp (31) 99802-9713 ou, pessoalmente, na Cidade Administrativa (12º andar do prédio Gerais).
Respostas
Polícia Militar.
Em nota, a corporação informou que sua corregedoria atua em todas as ocorrências relacionadas aos militares. O porta-voz da polícia, major Flávio Santiago, explicou que o trabalho desenvolvido pelas bases comunitárias vem permitindo que a PM se torne referência no atendimento à população. No que se refere ao treinamento dos militares, ele disse que “a PM é a instituição brasileira que mais cadernos (conteúdos) doutrinários possui”.
Polícia Civil.
Também por meio de nota, a corporação afirmou que os servidores estão sendo capacitados na Academia de Polícia.
Corpo de Bombeiros.
Segundo a instituição, os cursos de formação reforçam com os militares a importância de desempenharem a função com comprometimento e responsabilidade.